Eu acho — e, que estranho colocar isto em palavras — mas acho que sinto falta dos bichos-de-pé. Sinto falta dos banhos de piscina, do medo de nadar até o fundo, das boias de braço. De quando eu deixei a porta do galinheiro aberto, assustada com as galinhas, e corri de volta à casa. Nunca foi um problema para aquela versão de mim, a criança. Céus, sinto falta de puxar o pé para mais perto do meu corpo toda vez que eu sentia o espetar da agulha.
Eu tinha um nome, e eu sabia. Mas eu queria ter outros. Queria os nomes da televisão, os pomposos nomes que reverberavam na minha cabeça. Queria ser como eu era, como sugeriam meus pais, mas também queria ser outra coisa. Queria ser mais. Vezes, queria ser menos. Muito menos. Menor que um bicho-de-pé. Queria ser Andromeda, e então queria ser poeira.
Queria, queria… eu sempre quis. Tenho o cacoete do querer. Queria que você estivesse aqui.
O solo que eu piso não mais tem gosto úmido. O céu que eu respiro não mais cheira a grama, e, minha nossa, onde se escondem as cigarras?
Minha existência é móvel — eu não acompanho o fluxo. Estou constantemente perdida em quem era, e em todos aqueles que já se foram. Há de haver mais.
Choro por chuva, mas não chove como antes. Não, não chove desde o último sorriso.
Algumas noites, o luto me abraça, pega minha mão, me leva para passear. Nós visitamos as minhas gargalhadas passadas, meus alentos e minhas feridas ainda abertas que batalham avidamente atrás da cicatrização. Às vezes, o sangue há de sangrar, e a dor há de doer. Não quero.
Fecho as portas, as janelas. Apago a luz.
Quero os bichos-de-pé. Tunga penetrans. Agulhas embebidas de álcool. Algodões avermelhados. O frio do campo, o vento do mato.
Minha euforia não poderá acontecer longe de mim. Procuro-me nos bolsos das calças, e só encontro botões. É o apocalipse de quem eu era, ó, terror! Sinto falta, sinto tanta falta.
Céus, como eu queria.